Muitos dos que se horrorizam quando se fala em paganismo, reagindo com aversão ao nome de deuses antigos e de suas festas, não desenvolvem nenhum critério ou têm pouco discernimento sobre aquilo que está por trás de suas tradições. Portanto, não conseguem identificar os frutos pelos quais se fazem conhecer e sentem dificuldade em compreender como se espalharam por diferentes nomes, mas sob os mesmos princípios (ou principados). Isso aumenta o risco de se tornarem neopagãos, pois iludidos por sua ignorância e fisgados pelos instintos, tendem a repetir, no tempo presente, exatamente o mesmo que era praticado no passado.
Aquilo que chamamos indistintamente de festas pagãs é caracterizado por eventos que apelam para um sentido de celebração da vida. Eles reverenciam um constante processo de renovação e continuidade da existência que está intimamente ligado à capacidade reprodutiva. Algo que serve de pretexto para libertinagens e orgias sexuais que afloram como práticas sagradas, desejáveis e recorrentes.
Saturno é o regente do signo de Capricórnio que tem no deus Pã, um de seus símbolos mitológicos. Segundo o Glossário Teosófico, Pã é:
"O deus da Natureza, do qual deriva a palavra Panteísmo; o deus dos pastores, caçadores, lavradores e habitantes das campinas. Segundo Homero, é filho de Hermes e Dríope, seu nome significa "Todo". Foi inventor da chamada flauta do deus Pã e uma ninfa que ouvisse o som deste instrumento não resistia ao fascínio do grande Pã, apesar de sua figura grotesca. Pã tem certa relação com o bode de Mendes, no que este representa, como um talismã de grande potência oculta, a força criadora da Natureza. Toda a filosofia hermética baseia-se nos segredos ocultos da Natureza e assim como Baphomet erainegavelmente um talismã cabalístico, o nome de Pã era de grande virtude mágica naquilo que Eliphas Levi chamava de “Conjuração dos Elementais”. Há uma lenda piedosa muito conhecida e que se tornou popular no mundo cristão des

De acordo com o texto, Pã é um deus campesino ou rural. Ele representa a força fecunda da natureza que, sendo imorredoura, pode até adormecer por longos séculos, mas, diante de condições propícias, volta à atividade com uma potência sempre aumentada. Pã era um exímio flautista, capaz de encantar as ninfas, tornando-se irresistível, apesar de sua aparência. Em complemento, no universo mitológico, Pã era extremamente querido por Baco, deus do vinho, reverenciado na Brumália. Notem que as ideias de natureza, sexo e prazer se interligam e convergem para Pã que além dos encantos de sua própria musicalidade hipnótica, ainda conta com os favores inebriantes do vinho de Baco, também chamado de Dionísio, pelos gregos.

No corpo humano, Saturno rege tanto a estrutura óssea quanto a pele que é o nosso revestimento exterior. A pele (o maior órgão) demarca a fronteira entre o nosso organismo e o meio ambiente. Assim, Saturno estabelece tanto os limites estruturais, quanto o perímetro dimensional do corpo humano. Simbolicamente, abarcando os limites internos do quanto podemos suportar (estrutura) e os externos de até onde podemos ir (alcance). Seu metal é o chumbo que, de todos, é o que possui maior densidade. Identifica-se na ausência de cor, representada pelo preto e, no aspecto mineral, tem hegemonia sobre as pedras escuras. Geometricamente, Saturno está associado ao cubo.
Os próprios ocultistas fazem associações entre Saturno e Satanás, uma vez que entendem que Lúcifer, mesmo na figura de Satanás, é o portador da luz do conhecimento. Conforme já vimos, em outros artigos, no meio ocultista, assim como Saturno, Satanás é dito como aquele que permite que o homem alcance maestria e sucesso nos seus empreendimentos materiais e espirituais.
Podemos enriquecer essa nossa abordagem, observando dois arcanos do Tarô de Aleister Crowley: O SOL (XIX) e O DIABO (XV).
Abaixo está a carta do Sol:

Segundo o "Livro de Thoth", de Crowley:
*Nuit é um dos nomes dessa "Nossa Senhora das Estrelas", a mãe ou deusa egípcia dos céus, em oposição ao Pai cristão; principal oradora do "Livro da Lei", também de Crowley.
Sem conhecer um pouco sobre astronomia e Astrologia, as palavras de Crowley podem não fazer muito sentido. Mas quando se conhece, os braços dessa cruz se tornam claramente visíveis:

Cercada pelo zodíaco, na porção inferior da carta, vemos duas criaturas aladas que representam a bipolaridade macho/fêmea. Elas possuem asas de borboletas; ou seja, seres da natureza que também são símbolos de fertilidade. Insetos que promovem a polinização e se transmutaram de um estado larval para acasalar e reproduzir, como criaturas primaveris que são.

As pétalas dessa "rosa solar" possuem o contorno da cabeça de serpentes najas. Uma possível referência à Kundalini, energia adormecida na região do cóccix que se pretende fazer subir através da coluna vertebral para abrir os centros psíquicos do homem. Supostamente, tal energia deve ascender através de estímulos sexuais, ampliando a percepção da realidade. Em sua máxima ação ela despertaria as atividades sensitivas das glândulas pineal e pituitária, abrindo o olho espiritual e possibilitando estados de hiperconsciência. Veremos que, na carta do Diabo, o bode possui um terceiro olho que é de ordem estritamente espiritual. Tais serpentes solares são as mesmas que brotam do globo solar alado e das testas dos faraós, no Antigo Egito. São símbolos fálicos de uma sexualidade alegadamente transmutada. No caduceu de Mercúrio, também vemos duas cobras (polaridade negativa e positiva) que sobem através do bastão (coluna vertebral) onde repousa um Sol alado (consciência suprema).
Por sua vez, o Sol se encontra logo abaixo do signo de maior elevação que é Capricórnio, relacionado ao mito da cabra Almatéia e Pã.

O tipo de traço usado no desenho de Capricórnio (assim como, mais suavemente, no signo de Escorpião, senhor dos domínios do sexo), aumenta o contraste e coloca a figura num destaque ainda maior. Temos assim o sexo (Escorpião) como instrumento de autorrealização (Capricórnio).
Pã e Baphomet são muito semelhantes no que tange ao aspecto animalesco que, essencialmente, representa o instinto sexual. Baphomet, entretanto, é uma figura mais completa por reunir em si mesma os polos masculino e feminino, sendo, talvez por isso, muitíssimo apreciada por Crowley.
Repetitivamente, o simbolismo de Crowley aponta para o estímulo e o redirecionamento da energia sexual, visando algum tipo de criação ou manifestação mágica. Algo que não é surpreendente quando consideramos que vários sistemas esotéricos do Oriente ao Ocidente tentam controlar o magnetismo sexual, no intuito de provocar fenômenos ou manipular as forças da natureza.
O solve (da mão que aponta para cima) e o coagula (da mão que aponta para baixo) nos antebraços de Baphomet, dizem respeito aos princípios da alquimia. Mas o escopo alquímico de transformar chumbo (metal de Saturno) em ouro (metal do Sol) ou a alusão à pedra filosofal e o elixir da longa vida são antes figuras de linguagem para iniciativas de magia sexual.
Se orientarmos a cruz de acordo com as convenções geográficas dos quatro pontos cardeais, teremos uma cruz de cabeça para baixo:

A órbita da Terra forma uma elipse ou círculo achatado. O solstício de Câncer (ao Norte) corresponde ao afélio (braço vertical mais longo da cruz) que é a máxima distância do Sol em relação ao planeta Terra. Em contrapartida, o solstício de Capricórnio corresponde ao periélio (braço vertical mais curto da cruz) que é a menor distância do Sol em relação ao planeta Terra. Ainda que o desenho da cruz acima exagere tanto o achatamento elíptico quanto a distância do braço norte (Câncer), ele pode ser considerado correto, conceitualmente falando...
De tal forma, mais do que apenas uma provocação debochada, invertendo um símbolo atualmente usado pelos cristãos, o emprego da cruz de cabeça para baixo retrata a permanência de cultos de adoração sexual e devoção aos princípios de fertilidade, derivados da exaltação dos ciclos da natureza, dentro da religiosidade pagã.
Tais implicações sexuais, reprodutivas e mágicas ficam ainda mais evidentes quando examinamos a carta relativa ao diabo:

Observem o curioso formato dos testículos em relação à seguinte figura:

Dentro dos testículos existem oito criaturas, sete humanoides e uma híbrida, semianimalesca. Caracterizando um fauno, ela está desenhada no plano superior do testículo direito, com pernas de bode e cabeça disforme. Os demais entes possuem silhueta humana e são retratados como se estivessem sendo contidos por ela. Já as figuras do testículo esquerdo são puramente humanoides. Por sua vez, elas parecem fascinadas em sua reverencia ao bode, logo acima delas, sendo submissamente atraídas em sua direção, seguindo para o "topo da montanha"...

Além do bode, o fauno do testículo direito pode também representar o próprio Pã e o exercício da vontade para conter o ímpeto ejaculatório. Quando é dito que o "Amor é a lei; amor sob a vontade" (Livro da Lei, Crowley), convém considerar o intercâmbio frequente entre as palavras amor e sexo.
Os gregos reconheciam três formas de amor: Ágape, Filos e Eros. Sendo que Ágape é o amor incondicional, Filos é o amor de amigo e Eros é o amor erótico ou sexual. Eros é ainda o amor passional, movido pelo desejo possessivo. Crowley propunha substituir o desejo pela vontade, canalizando-o como se fosse um cavalo selvagem (ou bode montanhês) que, quando domado, teria a capacidade de conduzir o mago às maiores alturas e revelações dos segredos do Universo.
Nessa expectativa de transmutação alquímica, a energia animal ou libido de Pã, equivale à pedra filosofal em forma bruta. Por sua vez, o líquido seminal é o elixir da longa vida. Canalizar a energia libidinosa através da vontade e construir formas mentais para o propósito de realizações concretas, retendo o elixir da longa vida (sêmen) é o escopo da chamada magia sexual.
Carregado de magnetismo, o homem se tornaria senhor da potência criadora ao dominar a principal força da criação que não é outra, senão o sexo. Assim, Pã seria o instinto animal (metade cabra) domado pela vontade superior (metade homem) e capaz de redirecionar o poder de reproduzir a vida para outros planos vibracionais, inclusive abrindo comunicação com as dimensões do mundo espiritual.


Observem a figura abaixo:

Do lado direito da legenda "The Devil" (O Diabo), vemos o símbolo do signo de Capricórnio. A legitimação do poder como resultado de um direito nato ainda costuma ser feita mediante algum tipo de associação de origem superior ou divina, comum no estabelecimento de grandes impérios.

Portanto, legitimar o poder temporal no pressuposto de um direito espiritual está de acordo com o simbolismo de Capricórnio.
O reino de Jesus não pertence a este nosso mundo material, segundo Ele próprio afirmava por palavras, enquanto, por atos, rejeitava as suas seduções e recompensas efêmeras. Por outro lado, Jesus e seus apóstolos nos alertaram sobre o risco de doutrinas estranhas e contrárias ao propósito de salvação e reconciliação com Deus Pai. Considerando, por exemplo, que o planeta Saturno, em hebraico recebe o nome de "Shabtai" e está na raiz da palavra "Shabbath" (sábado); ou que, na língua inglesa, a palavra Saturday (sábado) pode ser traduzida literalmente como "Dia de Saturno", talvez fique mais claro porque Jesus não era cerimonioso em relação ao Sábado, promovendo o seu ministério e operando milagres sob o olhar escandalizado dos fariseus.
O cristianismo se mostra incompatível com a escravidão e a licenciosidade do mundo pagão. Em contrapartida, os defensores do paganismo acusam o legado de Cristo de reprimir os instintos naturais e agir contrariamente ao progresso científico e material.
Sobre tais conflitos, Jesus advertiu:
"Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia."
E pediu ao Pai:
"Eu lhes dei a tua palavra; e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo, assim como eu não sou do mundo."
Saturno encarna perfeitamente o princípio do Mal que recebe o nome de Satanás no Antigo Testamento e induz tentações ao homem sob as mais diversas formas, desde o início dos tempos. Sugestivamente, conserva o título de "Senhor do Tempo", representando com impecável desembaraço, o arquétipo do Anjo Caído que desejou ser igual a Deus, tomando o seu lugar no coração dos homens. Podemos encontrar diversos resquícios dos cultos destinados a Saturno através da predominância de vestuários negros, tonsuras, chapéus, objetos, projetos arquitetônicos, tradições religiosas e mesmo nos logotipos do meio corporativo. Quem quer que tenha um pouco de perspicácia, não terá dificuldade em encontrá-los.
Considerando que, desde tempos imemoriais, tais desvios se encontram infiltrados e arraigados no âmago do berço cristão, talvez entendamos melhor o fato de Jesus ter dito tão duramente aos fariseus:
"Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira."
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